A incerteza na Avaliação de Imóveis
- Nelson Ferreira
- 14 de mar. de 2020
- 3 min de leitura
Cerca de 3 meses depois de terem surgido os primeiros casos na China, a OMS declarou oficialmente a covid-19 como uma pandemia. Face a uma situação tão excecional como esta, resta-nos manter a serenidade e seguir as recomendações das autoridades de saúde.
Não obstante ficarmos em casa como medida de contenção, muitos de nós irão continuar a exercer a sua atividade de Avaliadores em regime de teletrabalho. Por isso, importa também na atividade profissional seguir as recomendações das “autoridades” em matéria de Avaliação.
Para quem acompanha ainda que de forma superficial as bolsas de valores, é impossível não associar o que tem acontecido nas últimas semanas, com a crise de 2008. O S&P 500 desvalorizou cerca de 20% desde o seu máximo histórico em meados de fevereiro. O imobiliário não reage tão rápido como o mercado acionista, fruto da sua menor liquidez, mas todos nós sabemos por experiência do passado, que quando tem que corrigir valores, corrige. Penso que o “mito” de que o imobiliário não desvaloriza para além de certos mínimos, ficou desfeito na sequência da última crise. Acresce o facto de que, à semelhança do S&P 500, também o imobiliário em Portugal está em máximos históricos. Máximos esses que não são indissociáveis do investimento externo e do setor do turismo, um dos mais fortemente afetados com esta pandemia.
Na verdade, ninguém consegue prever como é que estará a economia mundial daqui a 3 ou 6 meses. Vivemos portanto um clima de enorme incerteza que se poderá refletir em todos os setores, nomeadamente no imobiliário.
Isto leva-nos às “autoridades” em matéria de avaliação de que falei há pouco. O RICS, cujas origens remontam a 1792, ao longo da sua história já terá assistido a vários momentos de exceção como este. Talvez por isso, o Red Book tem desde há várias edições um capítulo dedicado à incerteza na avaliação.
Na edição portuguesa de 2010, na GN (Guidance Note) 5, são indicados alguns exemplos em que pode surgir incerteza material que afeta a confiança que o avaliador tem na opinião de Valor emitida. Um desses exemplos é o seguinte:
“Instabilidade do Mercado
Crises imprevistas, macroeconómicas ou públicas, podem ter um efeito dramático e repentino sobre os mercados. Isto pode manifestar-se por pânico na compra ou na venda de imóveis, ou simplesmente por existir uma aversão a fazer negócio até que fique claro como é que os mercados serão afetados a longo prazo. Se a data de avaliação coincidir com o rescaldo imediato de um acontecimento deste tipo, os dados nos quais uma avaliação se baseia podem ser confusos, incompletos ou inconsistentes, tendo um efeito inevitável sobre o grau de certeza associado à mesma.”
Já na versão portuguesa do Red Book de 2017, pode ler-se o seguinte na VPGA (Valuation Practice
Guidance – Application) 10:
“Os mercados podem ser perturbados por motivos relativamente únicos. A perturbação pode surgir devido a imprevistos financeiros, macroeconómicos, jurídicos, políticos ou até mesmo naturais. Se a data de avaliação coincidir com, ou estiver no rescaldo imediato de, um evento como estes, tal poderá resultar numa redução do nível de certeza atribuível a uma avaliação, devido a dados empíricos inconsistentes, à completa ausência de dados empíricos ou à possibilidade de um avaliador ser confrontado com um inédito conjunto de circunstâncias sobre as quais tem de basear um parecer. Nessas situações, as exigências dos avaliadores podem ser extraordinariamente difíceis. Embora os avaliadores devam ainda assim ser capazes de elaborar uma opinião, é importante que o contexto desse julgamento seja claramente explicado.”
Perante as situações descritas nos exemplos anteriores, o Red Book recomenda que nos relatórios sejam incluídos comentários a chamar a atenção para “quaisquer questões resultantes em incertezas significativas na avaliação à data da avaliação”. Estes comentários não deverão ser encarados pelos Avaliadores como uma admissão de fraqueza. Antes pelo contrário, pois contribuem para o cumprimento do dever de transparência que o Avaliador tem perante o seu cliente. Desta forma evita-se que os relatórios possam induzir em erro, ou criar falsas expectativas.
Em suma, os Avaliadores não têm a obrigação de prever o futuro, mas têm o dever de desenvolver a sua atividade com a máxima transparência perante os seus clientes, fazendo sempre referência a quaisquer limitações de análise que possam existir à data da avaliação.
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